“Não basta querer para mudar o mundo. Querer é fundamental, mas não é suficiente. É preciso também saber querer, aprender a saber querer, o implica aprender a saber lutar politicamente com táticas adequadas e coerentes com os nossos sonhos estratégicos”. Paulo Freire (1997)
A sabedoria
A filosofia, essa, ensina a agir, não a falar, exige de cada qual que viva segundo as suas leis, de modo que a vida não contradiga as palavras, nem sequer se contradiga a si mesma; importa que todas as nossas ações sejam do mesmo teor.
O melhor dever -e também o melhor sintoma- da sabedoria é a concordância entre as palavras e atos; o sábio será em todas as circunstancias plenamente igual a si próprio. " mas quem será capaz de atingir um tal nível?" Poucos ,decerto, mas ,mesmo assim alguns! Não escondo que a empresa é difícil; nem te digo que o sábio avançará sempre ao mesmo ritmo, embora o rumo seja sempre o mesmo.
Autoanalisa-te, portanto, e verifica se há discordância entre a tua roupa e atua casa, se és pródigo para contigo, mas mesquinho para com os teus, se és frugal a tua ceia mas luxuosa a tua habitação. Adota de uma vez por todas uma regra de conduta na vida e faz com que toda a tua vida se conforme com essa regra.
Há pessoas que se retraem em casa e que se expandem sem inibições fora dela; semelhante variedade de atitudes é viciosa, é indício de um espírito hesitante que ainda não achou o seu ritmo próprio.
Posso explicar-te, aliás, donde provém está inconstância, esta divergência entre os propósitos e ações. A causa é que ninguém fixa nitidamente aquilo que quer nem, se o fez, permanece fiel ao seu propósito, antes pretende ir mais além; e não se trata apenas de mudar de objetivo, acaba-se por voltar atrás e de novo cair na situação anteriormente rejeitada e condenada.
Em suma, deixando as antigas definições de sabedoria e abarcando numa fórmula todo ciclo da vida humana, acho que seria bastante dizer isto: a sabedoria consiste em querer, e em não querer, sempre a mesma coisa. Não é necessário acrescentar, como condição, que devemos querer o que é justo, porque só é possível querer sempre a mesma coisa se essa coisa for justa.
Ora sucede que as pessoas ignoram o que querem exceto no próprio momento do querer, ninguém determina de uma vez por todas o que deve querer ou não querer, todos os dias se muda de opinião, mudança por vezes diametralmente oposta; para muitos, em suma, a vida não passa de um jogo! Quanto a ti mantém fiel ao propósito que adotaste, e assim conseguirás talvez atingir o ponto máximo, ou pelo menos um ponto tal que apenas tu compreenderás não ser ainda o máximo.
Sêneca, Cartas a Lucílio II.20.2-6
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa;2009.
Trad.:J.A.Segurado e Campos
Revista Pense N°01/setembro 2012